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Set 11
publicado por Nuno Amado, às 14:47link do post | comentar

Há quem diga que já não há heróis. Muitas mulheres deixaram de esperar que um príncipe em cavalo branco as venha salvar. Os homens que pretendem discordar, muitas vezes perguntam: Mas salvar do quê? De uma vida monótona? Da crise financeira? De um pneu furado? Nos filmes é comum que as mulheres bonitas sejam sujeitas a perigos físicos, raptos, malfeitores com enormes facas. Na vida real, felizmente, são poucas as ocasiões em que as mulheres precisam de ser salvas. Mas, mesmo assim, nessas situações, seriam os “homens de hoje em dia”, que fazem grande parte do seu exercício físico na Playstation, para quem uma barata é um animal selvagem e que consideram um acto intrépido tentar estacionar no Bairro Alto em Lisboa, capazes de fazer o que é correcto? Se existissem mesmo dragões haveria algum homem disposto a enfrentá-los? James Van Iveren, responderia que sim, que ele tinha dentro de si a coragem e a convicção suficientes para o tornar num príncipe encantado capaz de derrotar os malfeitores e salvar as donzelas em perigo. Mas antes de contar a peculiar sucessão de eventos do dia fatídico em que o nome de James Van Iveren saltou para os jornais, convém lembrar Dom Quixote.

 

A imortal personagem criada por Cervantes era um fidalgo envelhecido que acreditava ter em si a fibra e a alma de um herói. Tendo lido livros a mais, Dom Quixote partiu à procura de aventura acompanhado de Sancho Pança, uma figura bem mais nutrida e realista. A ânsia por aventura era tão forte para Quixote que acabou investindo com a sua lança contra moinhos de vento que julgava serem poderosos gigantes.

 

Ora, Van Iversen mais não é do que o Quixote moderno, mas a sua aventura teve um fim bem menos literário que a do cavaleiro espanhol: o tribunal. Num subúrbio de Milwaukee, com o impronunciável nome de Oconomowoc, vivia o nosso herói, então com 39 anos, na companhia da sua mãe. Na manhã onde tudo se passou, James estava em casa a ouvir música quando o ruído de uma donzela em perigo lhe chegou aos ouvidos sensíveis. A voz perturbada vinha do apartamento acima. Os sons eram claros e pareciam indicar que uma mulher estava a ser violada. Durante algum tempo ele procurou ignorar esses sons, tentando provavelmente convencer-se de que algo tão horrível não podia estar a ocorrer tão perto dele, apenas do outro lado do tecto. Mas os ruídos não acabaram, e a voz da mulher continuava a fazer-se ouvir, os gritos e gemidos assustadores ressoando pela casa. James achou que não podia ficar mais tempo quieto. Havia mesmo uma mulher a ser violada e ele não podia permitir que tal continuasse. Chamar a polícia estava fora de hipótese já que ele não tinha telefone mas, quis o destino que James tivesse herdado uma antiga espada de cavalaria. O nosso herói desembainhou-a e, armado para o que desse e viesse, subiu escadas acima com a determinação de Dom Quixote cavalgando de encontro aos moinhos.

 

Algum tempo antes, Bret Stieghorst, um estudante de uma Universidade local e vizinho de cima de James Van Iveren, decidira ver um DVD pornográfico em espanhol sobre uma prática sexual específica. Ele escolhera este DVD apesar de não perceber a língua porque as actrizes eram sensuais, embora não tenha sido exactamente este o termo que ele usou para as classificar. Os gritos de ajuda que o vizinho de baixo pensara ouvir mais não eram que os gritos de suposto prazer que o vizinho de cima vira na televisão. Qual a surpresa de Bret quando James Van Iveren, com um pontapé, rebenta a fechadura da porta e lhe entra pela casa a dentro, espada em punho, berrando “Onde está ela? Onde está ela?”. Tal como Quixote não se deixou convencer por Sancho Pança de que eram Moinhos os seus opositores e não gigantes, também James precisou que Bret o levasse de divisão em divisão abrindo armários e portas para que o primeiro acreditasse que ali não estava mulher nenhuma.

James foi acusado de três crimes diferentes, alguns deles graves, já que se encontrava na posse de uma arma. O seu comentário a todo o evento foi que se sentia estúpido e que havia tudo sido um erro. Quanto ao vizinho, além de provavelmente passar a ver a pornografia com o som mais baixo, reconheceu o heroísmo de James, mas não abdicou do seu direito de ser recompensado pela porta destruída.

 

James acabou por pagar 141 dólares pela porta, mas evitou ir para a prisão. Teve também direito a acompanhamento psiquiátrico. Dom Quixote nunca teve tal sorte.


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