Em linguagem futebolística, o início do copo de água corresponde ao intervalo do casamento. A distribuição de croquetes e gin tónicos acompanhada de alguma conversa banal e de muitas fotografias, permite aos convidados algum descanso antes da esperada refeição. Como no passado alguém achou boa ideia transformar os casamentos em conceitos, hoje em dia é raro que os noivos não sejam obrigados a escolher um tema para a sua boda. Assim, há casamentos onde cada mesa é uma praia que os noivos frequentam, outros em que cada mesa é um doce de que eles gostam, um dos destinos da lua-de-mel, e por aí fora. Infelizmente nunca estive num casamento onde cada mesa fosse um personagem da Guerra das Estrelas, não conseguindo decidir-me se a mesa dos noivos seria a do Luke Skywalker ou do Darth Vader.
O destino dos solteiros depende, em larga parte, da mesa onde calharam. O Manuel pode ter a sorte de calhar na mesa Rouxinol, onde estão as duas solteiras mais bonitas da boda, ao passo que o Luís pode ter o azar de ir parar à mesa Pardal, onde todos os outros comensais são casais, ou, pior ainda, ter de jantar na mesa Avestruz na companhia da sua ex-namorada.
A conversa das mesas de casamento é tão específica que devia existir um nome para ela. Apesar de todos participarmos neste ritual esquecemos com facilidade a estranheza deste. No fundo, é como se numa ida a um restaurante o empregado nos anunciasse que o serviço estava particularmente lento e nos sentasse numa mesa com desconhecidos para uma refeição de, no mínimo, duas horas.
Enquanto os convidados se vão conhecendo melhor, trocando piadas sobre os noivos ou debatendo como chefs o menu do casamento, os brindes iniciam-se e a taxa de alcoolemia começa a subir. Após a distribuição e consumo dos vários pratos com descrições demasiado detalhadas (porco estufado em sumo de cebola acompanhado de batatas peladas, esmurradas e salteadas), já se formaram novas amizades, se iniciaram seduções, se estabeleceram negócios e, para alguns casais, se arranjou motivos para futuras discussões.
Servidos os cafés chega o momento da valsa. Com mais ou menos prática os noivos lá tentam, sorrisos tão abertos como se estivessem num anúncio de pasta dos dentes, manter-se dentro da pista sem se pisarem demasiado.
O bailarico inicia-se geralmente com uma série de canções nostálgicas. A pista é invadida por muitos casais que, como os condutores que só guiam ao domingo, só dançam em casamentos. Pisadela aqui, cotovelada ali, a pequena multidão dança o twist, a bamba e os melhores êxitos dos anos 80. Há sempre um idoso demasiado dedicado prestes a ter um ataque cardíaco e algumas crianças para quem esta é a primeira vez a dançar numa pista, ocasião que é tratada com o entusiasmo e a hiperactividade necessários. Vista de fora, a dança do casamento é uma das celebrações mais comoventes e caóticas do espírito humano. Experimentada de dentro é como se passassem música no metro na hora de ponta. É, também, uma das melhores formas de sedução, como é possível ver pelo esforço suplementar dos solteiros: elas tentando parecer leves, elegantes e femininas e eles, a partir de certa altura, procurando mostrar que são capazes de não tropeçar.
Após CD e meio de greatest hits as mulheres solteiras são convocadas para a mais cruel das tradições: o lançamento do bouquet. Não só são agrupadas num pequeno rebanho, como este se torna no centro das atenções e todos os presentes passam a saber que estas ainda não se safaram. Para cúmulo da humilhação, espera-se que elas se batalhem, como avançados e defesas centrais num canto, por meia dúzia de flores que talvez, e só talvez, lhes aumente a possibilidade de se conseguirem casar.
Ultrapassada esta prova olímpica o casamento continua. A pista começa a ter menos pessoas, os convidados de maior idade começam a partir e alguns futuros casais já podem ser vistos sentados em mesas periféricas, debicando uma fatia de bolo e falando de como é incrível ainda não se terem conhecido antes.
Mais tarde ou mais cedo, sozinhos, acompanhados ou arrastados os convidados lá abandonam o casamento. Desapertam-se as gravatas, descalçam-se os terríveis sapatos de salto alto e lá se volta a casa após esta pequena odisseia que foi devidamente registada em formato fotográfico e, para terror dos futuros espectadores, em filme.