- Tem algum método de escrita, rotina ou truques?
Começo o mais cedo possível, já com o duche e o pequeno-almoço tomado, quando as padarias ainda estão a abrir.
- Faz muitas pausas?
Costumo escrever sem intervalos. Quando tento fazer uma pausa de dez minutos corro o risco que ela se prolongue por uns dias.
- Espera pela inspiração?
Não, porque nas várias ocasiões em que combinámos encontrarmo-nos, ela chegou sempre muito atrasada. Descobri que ela gosta de me surpreender quando já estou a trabalhar. No entanto, seria simpático se me visitasse mais vezes.
- Escreve a computador ou à mão?
A computador, no word, sentado mas com as costas nem sempre direitas.
- Usa um tipo de letra específico?
Times new roman, mas também consigo, se estiver bem disposto, escrever em calibri.
- Tem manias como acabar sempre uma página, por exemplo?
Poucas de que me lembre. Costumo não deixar frases a meio.
- Pensa logo no título ou surge depois?
Surge depois. Muito depois. Como o convidado para um lanche que se confunde e chega à hora do jantar.
- Faz algum esboço das personagens e trama? (seja em papel, seja mental) Se não faz, como se processa a construção do livro?
Guardo no caos do meu cérebro alguns aspectos da trama e algumas características das personagens. Vou acrescentando ao esboço, pouco a pouco, esperando que se torne num retrato.
- A primeira frase mantém-se ou muda depois?
Depende; quando se mantém é bom sinal.
- Evita ler livros quando escreve?
Pelo contrário, leio mais e com mais prazer.
- Ouve música enquanto escreve, ou prefere silêncio?
Oiço música e, quando o trabalho corre bem, só noto muito depois do disco terminar que estou em silêncio há algum tempo.
- Se sim, que música ouve?
Procuro que seja música consonante com o que quero narrar.
Muitas vezes é música que me faz sentir que o que estou a ouvir é bem melhor do que o que estou a escrever, e que é bem possível que eu só escreva porque não tenho qualquer talento para a música.
- Qual é a sensação que fica, quando termina um livro?
Várias. Sinto alegria, melancolia e a suspeita de que não está mesmo acabado. Há pequenas explosões de orgulho em que penso “Toma lá Tolstoi, isto não é assim tão difícil!”, mas também arroubos de neurose que me levam a murmurar “Que desperdício de tempo e páginas, mais valia ter copiado a palavra disparate para cento e oitenta páginas”.
- Trabalha em mais do que um livro ao mesmo tempo?
Por enquanto não.
- Escreve em casa?
Sim. Sempre na mesma secretária. Já tentei escrever na mesa da cozinha, mas acabei a tentar fazer “peixinhos da horta”.
- O que é que não pode faltar na sua mesa de trabalho?
Apetece-me escrever “paciência” mas um escritor não deve abusar dos trocadilhos.
- Em que é que está a trabalhar neste momento?
Ia começar um épico que revelaria ao mundo a essência da alma humana, que revolucionaria não só a literatura como a maneira como a humanidade se vê a si própria. Mas ofereceram-me bilhetes de época para o Sporting e vai ter de ficar para outra altura. Entretanto penso escrever qualquer coisa mais humilde, algo que uma pianista reformada possa ir lendo num banco do Jardim da Estrela interrompendo a leitura de tempo a tempo para olhar em volta e murmurar “que coisa maravilhosa é a vida!”.
- Já deitou fora muita coisa que tenha escrito? Manuscritos inteiros ou coisas soltas?
Está tudo em pastas de discos rígidos guardados em gavetas onde também estão bilhetes de concertos, telemóveis avariados e chaves que em tempos abriram uma porta que já não sei qual é.
- Como é que dá o nome às suas personagens?
É o primeiro que me vem à cabeça. Por vezes, passado algum tempo, o nome já não serve e mudo-o.